Terrível pra mim, circo para os outros
É fato que os meios de comunicação precisam de ibope, precisam de audiência, pois sobrevivem dos anúncios que são valorizados tomando por base o volume de pessoas que estão assistindo, ouvindo ou lendo a cada programa, em cada horário, em cada assunto abordado. Comprovadamente as notícias referentes a desastres são aquelas que mais detém a atenção da audiência, afinal de contas, equivalente a este movimento silenciador de massas ante uma tragédia, também os carros diminuem a velocidade ao passar pela cena de um acidente ora ocorrido na estrada (e não acredito que façam isso para orar pelo acidentado, tão pouco, para respeitar os limites de velocidade). Fazem sim, pela estúpida curiosidade do corvo pela carniça, fazem isso de celular na mão com a câmera apontando para tudo em busca de uma imagem para ganhar ibope (na sua página da rede social).
É assim que abrimos os trabalhos hoje, ao perceber a necessidade de consumirmos tragédias, saber a pior história para repassar aos outros como uma novidade... eu fujo naturalmente disso, essa energia negativa me empobrece... porque eu tento ver uma coisa boa mesmo quando ocorre um acidente, como por exemplo: a pessoa que estava no veículo escapou ilesa... ninguém foi atingido pelos destroços, todos foram resgatados após o naufrágio. A vítima passa bem... mas o que eu vejo é quem busca a pior situação e espera pela tragédia para ter assunto... mas gente, se fôssemos um pouco mais positivos, se olhássemos para as coisas boas, filmássemos o salvamento e não apenas o desastre, se valorizássemos mais o que temos de bom e as ações das quais possamos nos orgulhar enquanto sociedade? Sabe o que eu escuto? Isso não dá ibope, infelizmente a massa quer tragédia, dor e desespero. E eu concluo que não está tudo perdido...
Explico: àqueles que já sentiram a dor da perda, o desespero da dor e o susto de um acidente. Ainda, passaram por momentos de terror extremo quando perceberam que suas vidas estavam a um click de gatilho ou a 1 metro do choque fatal e todas as situações onde olhamos a morte passar por perto e sentimos o seu cheiro. Estes, carregam bandeiras, vestem camisetas e protestam por justiça, segurança, oram à Deus por piedade e pela cicatrização das chagas que a falta deixou em seus corações.
Para todos os demais que praticamente divertem-se com a desgraça de um estranho: circo, apenas circo, afinal, os palhaços usam máscaras, pinturas e um nariz peculiar impossível de serem reconhecidos... mas lembrem-se: o palhaço tem família, o palhaço tinha uma vida como a sua e, ao final do espetáculo, ao apagar das luzes, deixa o teu camarote e vai para casa sem pensar nos problemas e nas lágrimas que ele deixou no camarim para te fazer rir por algumas horas. A dor dele não passa como passa o seu momento de excitação.
Desta necrofilia social, eu peno, eu sinto, pois quando vi ontem a notícia de um menino de Caxias do Sul que fora esfaqueado ao tentar defender a sua namorada da investida de um assaltante, senti por todos que ficaram, senti por ele, senti pela bravura que o levou a óbito, de herói a estatística em algumas aplicações da navalha que ceifou o seu futuro. Porque estou escrevendo isso? Não, não se trata de ter sido afetado, a não ser pelo decréscimo do meu índice pessoal de segurança pessoal quando na cidade, dos meus amigos que se encontram perambulando dia e noite, trabalhando ou divertindo-se nesta cidade. Mas não, não o conhecia e assim também como não conhecia a menina que que fora atacada também, golpeada também - e passa bem - sabiam? Não, claro, porque a morte é mais circo, a tragédia vem à frente do que o sucesso do rapaz que mesmo tendo sido fatalmente ferido, conseguiu salvar a vida da sua amada.
Seria uma história para virar um filme, um frama? Mas porque, se todo os dias contabilizamos dramas? E temos todas as estatísticas como a que ouvi: "Já ultrapassamos o índice total de latrocínios registrados no ano de 2014 (era pra soltar foguetes???) e o total de salvamentos, prisões, interrupções de uma ação de assalto? Onde estão estas estatísticas? Ah, esquece Abstrato, essas, a ninguém interessa a informação. -claro-
Creio que o execício que deve ser proposto portanto, é, senão, colocarmo-nos no lugar da mãe, do pai, da namorada, do irmão ou irmão (se ele tiver), colocar-se no lugar dos amigos - que, com certeza não acham graça nenhuma em relação ao "ibope" dessa notícia que, no restaurante onde eu estava ouvia-se apenas o estalar de colunas e pescoços revirando-se nas cadeiras para acompanhar o noticiário no momento da tragédia. Busque felicidade nos telejornais e decepcionar-se-á instantaneamente, proporcionalmente ao editor-chefe que, quando coloca algo feliz e positivo, vê seus números caindo, vê os espaços de propaganda desvalorizando.
Por fim, não escrevi isso pelo ibope, mas como um apelo àqueles que alimentam a indústria da tragédia que, monetiza cada minuto de sua programação, com a falência moral de nossa sociedade.
Vida eterna aos heróis!