-Todos se pegam em silêncio, sozinhos-
Fonte: http://silviamota.ning.com/ |
Enquanto afia a faca no silêncio daquele galpão, escuta apenas o aço travando batalha na pedra que amola o fio que ainda vai defender a honra, desenhar o pelego da sala e acompanhar na caminhada da vida. Escuta a chuva que bate no oitão solitária avisando calma que durará por duas luas, esverdeando o campo na carpeta do outono que se aproxima. Ouve o estalar do fogo em madeiras secas que aguardavam o seu retorno para enfim aquecer aquele pequeno retiro onde a alma solitária lembra da luta, semeia o futuro na memória da essência de cada risco que deixa naquela pedra. A reticência de esquecer os amores antigos e pessoas que as patas do cavalo deixaram para trás nas pegadas tristes de adeus prematuros, deixam ainda descompassado o coração dele enquanto brilha o olho úmido pelo gesto ríspido que muda o rumo do pensamento. E, quando cai a tarde no escurecer de mais um dia campesino que desnuda a Lua na sua imensidão, faz três léguas de potreiro pratear aos olhos que escondem-se, das mágoas daquele chapéu tapeado. E dorme sozinho, no manancial de sonhos para acordar com a faca afiada, o coração cicatrizado e as botas secas para um novo dia de lida em solidão. Se apaga o fogo consumido pelo vazio do galpão que mostra suas lágrimas no silêncio da palavra que vem do coração.
Se assim um gaúcho, se houvera uma chance, para qualquer que seja o modo de contar, será sempre o silêncio aquele que te leva a interiorizar o olhar para a própria alma, contabilizar as perdas e os rumos que tomou a vida com as decisões que tomamos no caminhar de cada novo amanhecer.
Se me vem o tema à cabeça, porque não decifrá-lo alheio ao que o sentimento inspira, dizer do silêncio - não como apenas ausência de sons - que sua causa por vezes é uma opção como o sofrer em demasia, oferecendo-a a pessoas que jamais mereceram ou quiseram tal função em sua vida? Se, completo somos para caminhar com duas pernas, dois braços e dez dedos para todas as necessidades de locomoção e criação, porque a dependência para a felicidade, do complemento de toda essa complexa conjectura cerebral que compõe jornada e história na vida de cada um? Como explicar que apenas a melodia de teclas seja suficiente para o pensar e refletir?
Então respira lento para poder ouvir o próprio coração, sentindo uma alma que guardou inteira a saudade do que continha no corte da música para encerrar-se em apenas um trote lento de um coração solitário que leva lento, pelo caminho do pensar introspecto. Se de tudo baseia-se nas lembranças do que fora, onde ocorrera, vê no reflexo do rio passado, aquele sorriso sincero para qual não deste devida importância, lembra de todas as palavras que tão bem caberiam naquele momento e por qualquer motivo aparentemente irrelevante, não dissera, porém, jamais as conseguiu esquecer e arrepende-se por jamais tê-las dito de boca cheia e pulmão aberto. E assim lembra dos gestos para quais não conseguiu dar atenção que merecia o momento então os repete solitário do ar e sem destino, percebendo que jamais os poderá repeti-los ou torná-los reais e presentes. Lembra do mexer dos olhos, do jeito criança e humilde que aquelas órbitas buscavam com afã do instinto da eterna descoberta, encontrar em você mais do que jamais conseguiu demonstrar e, lembra do piscar lento e tranquilo daquele que queria tanto dizer num simples fitar parado, teu sorriso e a felicidade que escondeste pelo medo de sofrer por cortes que jamais cicatrizaria.
Então acostuma-se com o teu próprio silêncio de viver e sentir, reservando-se o direito de jamais sofrer e sofre por ter medo de sofrer, medo do corte seco da decepção, quando não cicatriza tudo aquilo que jamais fizeste pela própria felicidade. E não haverá balas ou doces que retirem o gosto amargo daquilo que deixaste de viver pelo medo de viver.
E se o silêncio é meu, apenas eu o merecerei, carregando na minha mochila as dores da alma e da boca pra fora, levarei sempre o sorriso que jamais deixará de compor o que o externo e distante irá conhecer.